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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Cerca de 1 mil descendentes russos vivem reclusos em colônia rural de MT

A RÚSSIA É AQUI

Sexta-Feira, 25 de Maio de 2018, 08h:33 | Atualizado: 26/05/2018, 10h:17

Cerca de 1 mil descendentes russos vivem reclusos em colônia rural de MT - quadros

 
Enviado Especial à Colônia Russa, em Primavera do Leste
 
Gilberto Leite
A Rússia é aqui -
 Moradores são reclusos e não demonstram interesse em receber visitas. Preferem manter-se longe dos brasileiros
Um pedaço da Rússia em solo mato-grossense. Assim muitos se referem a uma colônia na zona rural de Primavera do Leste (a 241 km de Cuiabá), onde vivem mil descendentes, adeptos de cultura e costumes que destoam dos brasileiros. Em meio ao avanço da tecnologia e com o passar de quase cinco décadas, desde os primeiros que chegaram, os moradores mais tradicionais batalham para manter a tradição dos ancestrais e fazer com que os filhos sigam religião ortodoxa.
Para a equipe do  conhecer de perto esta realidade, percorreu cerca de 241 km de Cuiabá a Primavera do Leste e mais 40 km de lá até a colônia. Trata-se de uma comunidade muito reclusa. Tanto é que a reportagem enfrentou dificuldades para obter informações de imediato sobre a vida no local e conversar de perto com moradores que não demonstram qualquer interesse em receber visitas, principalmente da imprensa.
Gilberto Leite
A Rússia é aqui -
Para reportagem conhecer a realidade dos descendentes de russos percorreu 241 km de Cuiabá a Primavera do Leste e mais 40 km até a colônia
Os primeiros moradores da colônia chegaram no início da década de 70, antes mesmo da criação de Primavera do Leste – fundada em maio de 1986. Estão enterrados em cemitério próprio. A vinda deles é relacionada à Revolução Russa, de 1917, quando religiosos foram perseguidos e tiveram de deixar o país, localizado na Eurásia, formada pela área de conjunto entre a Europa e a Ásia.
Mário Okamura
Arte Rússia 1
 Russos fogem da perseguição religiosa na Revolução de 1917, seguem para Sibéria, China e, de navio, chegam ao Brasil pelo Paraná, seguindo até MT 
Foram atraídos a Mato Grosso em razão das terras ofertadas pelo Governo Federal a preços módicos, durante o projeto de ocupação da Amazônia, estratégia do Governo Militar. A estimativa é de que a área inicial da colônia tenha sido correspondente a 10 mil hectares de terra, na região que hoje faz parte de Primavera do Leste.
Mário Okamura
Colônia Russa em dados

Com o objetivo de mudar de vida e passar a garantir o sustento com a agricultura familiar e a comercialização de alimentos, cerca de 350 famílias de descendentes russos chegaram à região do cerrado mato-grossense. Anteriormente, viviam em Ponta Grossa (PR), primeiro destino dos russos que vieram ao Brasil.

Conseguimos produzir muitas coisas no solo daqui - conta Larion Ovchinnikov

“Por termos chegado antes da criação da cidade, influenciamos Primavera do Leste em muitos pontos, como na agricultura e na economia. Quando chegamos, as pessoas falavam que não era possível conseguir nada nas terras, porque é região de cerrado, improdutiva. Mas depois que os russos vieram para cá, em 1974, conseguimos produzir muitas coisas no solo daqui”, relata Larion Ovchinnikov, um dos líderes da colônia. A família dele foi uma das primeiras a chegar à região.
Atualmente, a colônia tem, aproximadamente, 60 mil hectares. Parte da área é ocupada pela agricultura, com plantações de soja, milho, feijão, algodão e girassol. Há também áreas destinadas para a criação de gado. Cada produtor rural possui a própria terra na qual faz seus cultivos e criações.
O meio de sobrevivência dos descendentes de russos da colônia é a agricultura e a pecuária. Alguns são grandes produtores de itens como soja, milho e algodão. Outros possuem diversas cabeças de gado. Também há aqueles que possuem produções menores e comercializam aquilo que plantam em uma feira no Centro de Primavera do Leste.
Gilberto Leite
A Rússia é aqui -
Uma das lavouras mais bonitas da colônia é a de girassol, mas os russos também cultivam soja, milho, feijão, algodão. Local se assemelha a grande fazenda
Residências não têm muros ou portões. A região assemelha-se a uma grande fazenda. Porém, cada área pertence ao morador, que teve de comprar o terreno para que pudesse fazer a construção. A estimativa é de que atualmente existam 120 famílias no lugar.
“Muita gente não aguentou o ‘arrocho’ e foi embora. É muito trabalho e muitos não aguentaram. Alguns foram para outras regiões do Brasil e outros voltaram para a Rússia recentemente”, relata Larion.
Roteiro de fuga
A chegada dos russos ao Brasil foi motivada pela Revolução Russa no país da Eurásia. O levante contra o regime czarista, em plena Primeira Guerra Mundial, implantou o socialismo, sistema político-econômico com idéias formuladas por Marx e Engels, na qual era proposta a extinção da propriedade privada.
“A Igreja Ortodoxa era vista como aliada da família real, então era considerada inimiga. A Revolução Russa proibiu a liberdade religiosa. Proibiu a igreja de se manifestar livremente. Professar a fé não era proibido, mas o ritual eclesiástico sim. Por isso, aqueles que insistiam em celebrar missas, expressar sua religião de modo público, eram perseguidos. Essa comunidade foi perseguida porque era muito religiosa e resistia”, explica o historiador Vitale Joanoni Neto, coordenador de pós-graduação em História da UFMT.
casa
 Boa parte das casas na colônia de Primavera do Leste são de classe média ou alta, estruturadas e com jardinagem
Diante da perseguição, os russos ortodoxos fugiram para a Sibéria, por volta de 1917, onde permaneceram por um período. Porém, logo voltaram a ser alvos de perseguição política e tiveram de deixar a região. O destino seguinte foi a China, onde também passaram a ser perseguidos. Desta forma, os russos decidiram ir para outros continentes. De navios, foram se espalhando pelo mundo. Muitos deles decidiram vir para a América do Sul. Alguns migraram para a Argentina, Uruguai ou Bolívia, onde também existem diversas colônias.
Os que chegaram ao Brasil foram para Ponta Grossa (PA), onde ainda existe uma colônia russa. Anos mais tarde, parte deles migrou para Mato Grosso. Entre aqueles que vieram ao Estado, somente um casal de idosos havia nascido na Rússia. Os outros já eram todos descendentes.
Na região mato-grossense, uma propriedade de 10 mil hectares foi dividida entre os descendentes. A área foi expandindo conforme cada um ia adquirindo novas terras. A área não é considerada coletiva, pois cada um é responsável pelo seu próprio espaço. “Não há nada em sociedade. Cada um por si e Deus por todos. Cada um ficou com uma parte e hoje são propriedades individuais”, explica Larion.
Reprodução
Vitale Joanoni
Historiador Vitale Joanoni vê religião como a força para manter as regras e preceitos
A colônia passou a ser dividida em dois grupos, a princípio. Posteriormente, se tornaram três. Atualmente, são denominados Massapé, Beira-Rio e Cinturão Verde. Ficam em regiões separadas da comunidade. Um dos pontos principais que os diferenciam é a condição financeira. Enquanto uns possuem mais recursos, outros são mais humildes.
Logo que se estabeleceram na região, os descendentes começaram com seus cultivos – a soja e o algodão são os destaques – e construíram residências. No lugar, há casas de diversos tipos. Enquanto algumas residências possuem características mais simples, outras chamam a atenção pelo tamanho e também pela arquitetura. A diferença social também compõe a Colônia Russa.
A religião
Longe da perseguição, em Mato Grosso, os descendentes russos seguem a religião ortodoxa. Cada comunidade criou a própria igreja e tem o próprio líder religioso. Desde a infância, as crianças aprendem a ler a bíblia, em russo. Para o historiador Vitale Joanoni, este é o maior elo entre os que vivem no Brasil e os russos. “A religião ortodoxa é um cristianismo com preceitos muito conservadores. Eles são cristãos ortodoxos e têm a isso como um importante traço de identidade”.
Igreja católica ortodoxa
Vontade de seguir Igreja Católica Ortodoxa expulsa fiéis da Rússia e agora no Brasil desejam manter preceitos, sem quaisquer flexibilizações
A religiosidade faz parte do cotidiano dos moradores da Colônia Russa. Eles costumam seguir calendário rigoroso, respeitando feriados da Igreja Ortodoxa. Na Rússia, a religião ainda é considerada uma das mais relevantes.
A religião dita até a alimentação. Alguns alimentos não podem ser ingeridos em determinados dias da semana. “Não podemos comer carnes, ovos ou qualquer derivado animal na quarta e nem na sexta, porque a reunião para crucificar Jesus aconteceu na quarta e ele foi crucificado na sexta”, explica Larion.
 Itens como óleo, peixes e vegetais também chegam a ser proibidos por alguns dias, conforme o calendário. Apesar de seguir o calendário comumente utilizado na Rússia, Larion explica que os descendentes de Primavera também comem o mesmo que brasileiros. “Na colônia, o prato mais comum é arroz, feijão e carne”.


Eles têm dificuldades para manter os jovens nos costumes tradicionais. A internet abre uma porta para o mundo - diz Vitale Joanoni

A religião é considerada fundamental para união de jovens russos. Para que um matrimônio seja aprovado na comunidade, é necessário que os dois sejam descendentes ou ao menos passem a seguir a mesma fé. “O casamento arranjado é muito comum, porque querem manter preceitos religiosos deles. Eles saíram do país e caíram no mundo justamente porque queriam manter esses preceitos, então é natural que queiram preservá-los”, ressalta o historiador Vitale Joanoni.
Em Primavera do Leste, há diversos relatos de descendentes de russos que tiveram de deixar a colônia após se casarem com uma pessoa que não seguia a mesma religião.
“Uma coisa que percebi quando visitei a comunidade é que eles têm, hoje, dificuldades para manter os jovens nos costumes tradicionais. Hoje, a internet abre uma porta para o mundo. Então, eles estavam com dificuldades para controlar esse acesso”, comenta o historiador.
Mesmo assim, para ele, o grupo de Primavera demonstra muita resistência e tem identidade muito particular, pela distância e pelo tempo em que estão distantes do país de origem.

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Comentários (6)

  • sebastiao nunes cirqueira | Quinta-Feira, 27 de Dezembro de 2018, 16h14
    0
    0
    boa tarde se nos ceguirao os costumes dele nao teria estas bandidage todas admiro a dotrinas deles
  • JORNALISTA NETÃO DO ARAGUAIA | Sábado, 26 de Maio de 2018, 19h28
    3
    0
    CONHECI PESSOALMENTE UM RUSSO DE NOME FOMA, CIDADÃO LEGAL E DE BOA CONVERSA, FIZEMOS NEGOCIO, VENDI GADO PRA ELE DA MINHA ANTIGA PROPRIEDADE EM PAREDAO GRANDE ELE É SUPER HONESTO ME PAGOU DIREITINHO E NOS TORNAMOS AMIGOS. AINDA QUERO CONHECER SUA COLONIA RUSSA EM PVA
  • Marlon | Sábado, 26 de Maio de 2018, 18h03
    1
    0
    Faltou entrevistar o lavrador russo Savostian Reutov. E perguntar o que ele pensa quanto a violência sexual contra crianças não russas.
  • Elissa Kuznetsov | Sábado, 26 de Maio de 2018, 12h00
    4
    0
    "Casamento arranjado e muito comum..." Por favor me apresente um casal que teve o casamento arranjado, já que vocês falaram que é comum na minha cultura.
  • Pedro | Sexta-Feira, 25 de Maio de 2018, 21h35
    2
    6
    A religião é o ópio do povo
  • Elias Miguel Monteiro Zaviasky | Sexta-Feira, 25 de Maio de 2018, 13h25
    27
    1
    O RDNEWS está de parabéns pela reportagem. Bela matéria!

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